O Sobrevivente da Croácia

Revista Cross Country – O Sobrevivente da Croácia

Foi a 1º competição oficial de parapente na Croácia. A equipe já estava lá quando chegamos. Boris, Kruno, Karlo, Danko, Bozo, Randovan, Srecko, Leo, Zlatibor, Joza e Sandi.

Nos vemos pouco, então nos juntamos para uma xicara de café e um papo. Eu era do comitê de organização.

Concordamos em nos mexer para decolagem a alguma hora da tarde. Segui Karlo até a rampa Raspaldalica. Foi a 1º vez lá.

Virada para o Sul, 560 m do pouso, o bastante para abrir 4 parapas lado a lado, mas curto e inclinado com uma linha de trem a uns 100 m abaixo.



Estava quente, 27ºC, e 1/4 do céu cobertos por lindos cúmulus.

Definimos a prova e fizemos o “briefing” com os pilotos.

Abertura do start gate as 14:30h e a faixa tinha que ser montada abaixo da linha do trem.

O 1º pilão era a igreja Crmica, a O do start, depois a igreja de St. Thomas no L , então uma travessia ao S para Buzet e novamente a igreja Crnica.

O goal a noroeste de Buzet. Me afastei da multidão para concentrar e relaxar, imaginando uma decolagem ideal e ótimas condições de vôo.

Se estivesse sozinho, não teria voado neste dia.

É difícil de explicar mas meu alarme interno ligou.

Eu era o presidente do maior clube da Croácia e meu ego iria se despedaçar se eu me recusasse a voar sem nenhuma razão.

Leo foi o primeiro, então Danko. Vesti un short, camiseta fresca, uma camisa de algodão e uma fina jaqueta corta-vento.

Prendi meu Aircotec Top Navigator na perna, ajustei-o e chequei a frequência do rádio.

Também chequei o reserva. Para o caso de precisar. Decolei l4.05 dentro de uma das boas. Depois desta subida, li o Top Navigator. Vento O-SO 16 km/h.

Voamos na cordilheira , algumas térmicas e lift.

Apesar do calor, tirei as luvas do bolso e vesti.

Fiquei na cordilheira até às 14,25, cinco minutos antes da abertura do start.

Ao leste estava a montanha Ucka, e perto dela uma grande Cúmulus Nimbus, desaguando chuva.

Esta não deve incomodar, pensei, está a uns 20 kms de distância e contra o vento.

Dez minutos antes de abrir o start, ganhei altitude.

Ótimo, térmicas de 0,5 a 3 m/s. Às l4,25, Danko, fez um briefing com a equipe de apoio no solo e depois decidiram cancelar a prova.

A razão era o super desenvolvimento a poucos kms ao norte de nossa posição, sobre o Monte Zbevnica (1,014m).

Uma mensagem do rádio seguiu: a competição esta cancelada, por favor dirijam para as áreas de pouso.

Parecia calma – sem pressa, sem pânico- então tomei meu tempo e fui para o sul em direção ao sol e ãs nuvens puf, despreocupado com o monstro negro que vinha assombrando do norte.

Um grande erro.

Leo esta a 150m SO e 50m acima de mim.

Percebi Danko e Karlo a 0 e acima , antendo o orelhão.

Os outros em algum lugar atrás, ao N e NE.

Eu estava a 1300m e decidi fazer o primeiro B-stall às 14,30.

Desci a 7 m/s até alcançar 1000m.

Então o B-stall deformou num cravete, as pontas se tocaram na frente.

Não gostei, parecia assustador.

Então soltei-o, reinflei, estabilizei a vela e repeti o B-stall.



Depois de alguns minutos olhei para o vário e para meu espanto vi que subia a 2 m/s.

Olhei para ver Leo sugado para dentro da nuvem, onde a base estava mais baixa, a uns 1300m.

Antes de entrar ele tirou uma foto minha. Segundos depois, ainda segurando o B-stall e subindo a 5 m/s, penetrei na nuvem e meu mundo ficou branco.

Até ai eu estava calmo.

Estava perto da borda da nuvem e tinha a bússola do Top Navigator.

Mirar para o sul e sair fora não seria difícil, mas comecei a perder um precioso tempo me enrolando com o acelerador e a bússola.

Navegar só pela bússola não é fácil.

Com o atraso de ajuste me vi mirando sul e voando norte.

Não acreditava em meus olhos.

Então a agulha do vário enloqueceu.

Subi a 10m/s. Sem medo puxei um colapso frontal pela vez na vida enquanto a escuridão me apertava com mais força.

Mesmo com toda a frente dobrada, minha taxa de subida não mudou.

Minha mente falhou: Davor, você entrou num cúmulus nimbus.

Já li muitos relatóriosde acidentes antes e não me lembrava de nenhum onde o piloto sobreviveu.

Ficou frio, muito frio.

A umidade condensou em minha roupa, então choveu e a água congelou em meus ombros.

O rádio era puro pânico, chamando “Davor, onde você está?

Radovan, responda por favor.

Uma voz desesperada aconselhou: “Davor, evite lançar o reserva a todo custo”.

Passaram dez minutos desde que entrei no monstro e minha altitude já era quase 2600m estou num estranho estado de mente: calmo e relaxado.

Não me importo com o pânico do rádio nem conselhos que parecem irrelevantes.

Ao invés disso, minha mente é ocupada com um pensamento: tenho que me aquecer.

Tenho que me proteger do vento, da chuva e do gelo, tenho que me embrulhar em alguma coisa ou vou me congelar.

Soltei o colapso frontal e decidi liberar o reserva para puxar o parapente e me enrolar nele.

O vário enloqueceu chegando a 18 m/s. Briguei com o tirante A esquerdo, as linhas murcharam e entrei numa espiral.

Agarrei no punho do reserva na direita jogando-o na escuridão.

Então horror, puro medo: o reserva ficou pendurado murcho, ainda embrulhado no fim das linhas e a minha vela totalmente fora de controle engravatada do lado esquerdo.

Subia a uma velocidade horrenda e demorou para o reserva abrir.

Segundos depois escutei um estrondo abafado e o vejo abrir e passar por cima de minha vela.

Graças a Deus! Com a energia da explosão de adrenalina puxei a vela e a embrulhei em minhas pernas trêmulas.

Chamei no rádio para avisar que estava vivo, a 4500m com o reserva solto e subindo a 10m/s.Foi minha última transmissão.

Boris disse depois que ficou horrorizado com o grito do vário, contrastando com minha voz calma.

O rádio gritava , “Onde está Davor, Davor, responda !” Amigos, acho que não posso chamá-los agora, preciso guardar toda energia, pode fazer diferença entre a vida e a morte.



Pedras de granizo me atingiam, vindo de todas as direções. Retumbando no capacete, selete e vela.

O vário gemia num tom impossível, mas eu não podia olhar para ele pois os números me fariam desmaiar.

Agora esta sendo jogado em todas as direções.

Relâmpados brilham ao meu redor explodindo na escuridão, ã esquerda, à direita, acima e embaixo.

A cada poucos segundos um brilho de luz bem perto era seguido por uma explosão.

A que distância foi este?

Se atingido por uma relâmpago, estava frito num segundo.

Davor, as chances de sobreviver a isso são zero, aceite o fato.

Na minha posição fetal rezava desesperadamente que Deus salvasse minha vida.

Haveria muita gente no funeral?

A maneira mais fácil de morrer seria desmaiando por hipoxia, cair no reserva e descer, esmagado com força no chão.

Meu pai, que vive perto de Rijeka, será que ele sabe que eu estou aqui, acima dele, seu único filho, e que estes são meus últimos momentos?

Então uma coisa passou pela minha cabeça: Davor, que pensamentos são estes, você não deve desistir, você ainda está vivo, já fez tudo o que podia para se proteger?

Uma rápida olhada para o vário me diz que estou a 6.000m!

A esta altitude iria desmaiar por falta de oxigênio ou congelar.

Conscientemente comecei a respirar mais rápido, para hiperventilar e evitar o desmaio.

O ar começou a ficar terrivelmente frio. De shorts a mais de 6.000 m, com o vento soprando forte.

Estou congelando.

Não, não posso sentir frio! Quão alto vou chegar?

Por quanto tempo? Onde estou?

Me acalmei de novo. Pensei, agora é a hora em que as pequenas coisas fazem a diferença entre a vida e a morte.

Enquanto você está consciente e OK, o que pode fazer por si mesmo?

Você está bem embrulhado no velame?

Livrei a mão direita e puxei a vela para minhas costas tentando embrulhá- la a minha volta, usei minhas últimas energias: me sinto fraco.

Se desmaiar é importante não sufocar. Inclinei a cabeça no peito para continuar respirando mesmo que inconsciente.

O importante é não congelar, então chequei se a vela ao meu redor estava presa.

Fingi que desmaiava por um momento, soltei minhas mãos e pareceu OK.

Será que o parapente iria se enrolar com o reserva? O Cb me joga mais alto, 6500m, subindo a 20m/s, o frio é insuportável.

O pior de tudo é o vento gelado soprando entre minhas costas e a selete onde não estou protegido.



As tiras da perna apertam no meio, enviando pontadas de dor, mas não é nada comparado com o resto.

O reserva está rodando e me balançando por todo lado. Já não sei se está acima ou abaixo de mim.

Francamente não me importo mais.

Comecei a descer de 3 a l7 m/s, até alcançar 3300m, então subi novamente, cheguei a 5500m, e fui para baixo de novo.

De repente eu vi alguma coisa.

Terra! Não podia acreditar! Minhas esperanças aumentam.

Talvez eu sobreviva.

Terra. Mãe Terra, ela existe, está lá, estou olhando para ela, estou indo em sua direção.

Um lindo lago, florestas, natureza.

O granizo cai horizontalmente, derretendo, esquentando e se transformando em grandes gotas de chuva.

O reserva balança e gira fora de controle.

É uma nova situação.

Agora concentrado no próximo trauma: aterrissar.

Tento me livrar da vela embrulhada e liberá-la parcialmente para criar resistência e diminuir a queda, mas estou embrulhado demais.

A cena piora: estou descendo na direção de linhas de energia numa floresta queimada cheia de pontas de galhos, todos virados para cima.

Oh! Não! Depois de tudo que passei, vou acabar num fio de alta tensão ou espetado num galho de árvore?

Davor, não seja mal agradecido pelo milagre que te fez sair da CB ileso!

Na minha mente penso nos procedimentos de pouso, me estico tentando colocar as pernas juntas e preparo para rolar.

Passo a poucos metros das linhas de energia e tato em uma árvore com o meu air bag, que absorve o impacto.

Caí em pé, congelado, molhado, amedrontado, chocado, mas ainda assim.

Totalmente ileso! Parecia impossível! Tremendo de frio. Está chovendo demais.

Gravei a experiência no Top Navigator e vi que tinha voado 21 km desde que entrei na nuvem.

Caminhei até a estrada . Parei no meio tentando parar os carros com o polegar mas eles davam a volta.

Tremendo, continuei a andar pensando. Davor, você parece um duende da floresta totalmente ensopado, com uma mochila na cabeça, coberto de folhas e um monte de nylon nas mãos.

Quem seria doido o bastante para te dar carona? Relaxei, então.

Já não é mais um caso de vida ou morte. Passei pela Säusöjevica.

Civilização, pessoas! Passei por um jardim, me aproximando de uma casa.

Havia sinais de vida: uma bicicleta de criança, um carro, ferramentas e coisas.

Arrastei meu corpo cansado pelas escadas, toquei a campanhia e bati na porta.



Um homem apareceu.

Não pude conter minhas emoções: “por favor, com licença, eu estava voando com meu parapente e fui sugado por uma nuvem de tempestade, estou com frio e em choque, será que eu posso ligar para meus amigos daqui, por favor me ajude…”

Branko Rabar, me recebeu em sua casa. Um grande homem.

Dei-lhe o número da organização.

Sua esposa me enrolou num cobertor.

Eu lhes disse: ” e um milagre estar aqui conversando com vocês…”

Tomei um banho e a água quente tirou toda a sujeira, suor, medo e choque.

Tomamos um chá na varanda onde o sol brilhava.

O céu era de um azul cristal e não havia mais sinal da nuvem de tempestade com a qual briguei toda tarde.

Eram 4:00 da tarde, apenas uma hora e meia após Ter entrado na Cúmulos Nimbus, um novo dia recomeçou.

OS OUTROS…

Meu instrutor Danko passou por algumas negativas resolvidas com om full stall, depois do qual pousou numa clareira.

Karlo entrou numa negativa perto do chão, lançou o reserva a uns 30 m que mau abriu.

Pousou sem ferimentos, a vela atingiu uma torre de energia e rasgou com seu peso.

Surecko puxou todos os tirantes de um lado, uma nova manobra.

A vela entrou numa espiral forte, a qual segurou por 20 minutos até se livrar da base da nuvem.

Sentiu seu braço doer por dias.

Randovan fez grandes orelhas, deixando apenas poucas células abertas.

Ainda subia a 10 m/s mas foi eventualmente cuspido pela CB .

Bastante desorientado, não conseguiu estabilizar seu parapente a tempo e atingiu o chão com força, sofreu sérios arranhões e um calcanhar torcido mas incrivilmente nada pior.

Krono fez um full stall, mas ao soltar seu parapa mergulhou e engravatou, lançou o reserva.

Ele foi poupado pela nuvem.

Mas não conseguiu recolher a vela e bateu no chão com força, esmagou algumas vértebras mas sem graves consequências.

Leo recebeu o mesmo horrível tratamento que eu.

Mas não lançou o reserva (estava vestido com uma roupa de esqui), mas manteve um front stall colocando as pernas nos tirantes A e empurrandos-os para baixo.



Foi despejado numa floresta perto de Ucka.

Juntos, sete chamas que poderiam ter se apagado, mas sobrevivemos.

À noite convidei a todos para um jantar de comemoração de noss nova vida.

Fomos a um restaurante com o sugestivo nome – Fortuna.

Depois do jantar fui para cama. Agradeci a Deus por Ter salvado minha vida e adormeci, completamente exausto.

Revista Cross Country, No 60, de 15/12/98, tradução Jornal Termal No 11 de abril de 99

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