O céu dos voadores

A ficha só caiu quando o Pepê, que parece que é quem mandava no pedaço, falou pro preá que acabara de chegar um pouco antes – P. Pinto

– É a sua vez, conta aí como é que foi.

“Cacilda! Será que é sonho ou eu pousei no andar de cima?”

Bem, vamos ver no que dá isso. Melhor ouvir calado o que o novato tem a dizer pra não pagar mico. Assim pensou e assim agiu o nosso piloto.



“Bem, até onde eu me lembro, eu estava voando lift no túnel em São Conrado num dia de tarde.

Tava um vento meio forte e um piloto meio coroa lá na rampa me avisou pra ter cuidado, me disse que meu parapente estava sem acelerador e me perguntou com quantos vôos eu estava.

Outros aproveitaram a deixa pra também dar um monte de palpite. Achei que eles estavam querendo tirar onda, afinal, pra que eu ia querer acelerar – isso não fez parte do curso.

E depois, eu decolei numa boa, foi só inflar e já saí pra cima direto. Muito melhor decolar com vento!

Mas é melhor começar do começo. Eu fiz o curso com muita tranqüilidade. Fiz uma aulinha rápida ali no gramado de pouso mesmo e, já no final, continuei correndo, passei da calcada e dei uma voada de uns dois segundos até a areia. Foi um barato!

Depois, fiz cinco decolagens no Rio Rural. Todas muito boas e com vento bem forte – saí voando na maior tranqüilidade sem ter de fazer nada e meu instrutor me disse que eu já estava pronto para voar no Pepino.

Nem fiz a prova antes. Até porque, só soube do MAPIL quando fui fazer esse primeiro vôo.

Deixamos a prova pra depois quando peguei os macetes todos com o instrutor, pois ele disse que só no Pepino é que se obriga aluno a fazer prova antes de voar e que emergências são para quem já tem experiência e voa em condições mais fortes e não para aluno que voa na merreca.

Nem precisei saber aquela xaropada toda e deixei pra estudá-las depois. Aliás, nem precisei.

E com cinco vôos, eu já estava liberado! Quase superei o recorde de um amigo que foi liberado com três vôos.

E voei com o meu próprio parapente que comprei bem baratinho do instrutor logo no início do curso pra aproveitar a ocasião.

Era meio antigão mas havia ficado guardado anos a fio e o dono não tinha feito nem 20 vôos.

Da primeira vez o meu instrutor disse que ele mesmo ia me decolar pra ver como eu estava. Nas outras quatro, foram uns amigos dele que me decolaram.

Pois eu já estava com nove vôos fazendo meu lift no túnel quando o parapente começou a andar de lado se aproximando da antena de celular à minha direita.



A antena que me haviam dado com macete pra não ir alem. Tudo bem, curvei um pouco para a esquerda e ainda assim, continuei indo de lado na direção dela.

Aí, resolvi virar todo pra esquerda. Putz, que legal, fiquei parado! Pensei que era a tal de parachutagem, mas como não descia deduzi que não era.

Não andava nem pra frente nem pra trás. Beleza, dava pra deslizar suavemente de um lado e para o outro. Ia ficar horas ali apreciando a paisagem.

Só que aí, quando eu menos esperava, comecei a andar muito devagarzinho para trás.

Passei pela antena e depois disso, comecei a andar mais rápido de ré – lembrei que me falaram que no topo de uma elevação o vento fica mais fraco. Vamos ver. Ou era mais forte?

Sei lá, acho que vou ter de pousar lá atrás mesmo naquelas pedras do lado do viaduto.

O gozado é o parapente começou a sacudir adoidado e eu resolvi aliviar bem o freio pra não dar chance de estolar.

A última coisa que lembro foi de um barulho tipo lençol sacudido na ventania, do parapente girando com muita velocidade para um lado enquanto eu bombeava o freio desse mesmo lado.

Quando o preá terminou, O Pepê perguntou pro Rogério Barão:

– E aí, o que você achou Barão?

“Bem, foi mais ou menos parecido comigo. Só que eu já tinha uns duzentos vôos e sabia tudo de emergências.

Meu jovem, você foi levado para trás e entrou no rotor. Tomou uma fechada e entrou em giro.

E em vez de controlar primeiro a direção, você começou a bombear girando descontrolado.

Se você tivesse altura, talvez até desse – girando e com velocidade, o colapso reabre muito rápido. Mas você acelerou ainda mais o giro quando bombeou o freio. E aí, não teve jeito.

Comigo foi uma mancada inacreditável. Eu estava lá em cima da Gávea fazendo lift da Cabeça até a Mesa do Imperador, ida e volta.

Já tinha dado uns dez bordos quando, chegando na Cabeça resolvi ir mais alem e entrar um pouquinho no ralo pra ter uma vista da Barra.

Foi a minha besteira. Aliás, devo reconhecer que nunca havia voado lá em cima e só o fiz, mesmo com a condição meio estranha que rolava, porque o meu irmão da FAB veio de Brasília e estava na praia me vendo.



Mas o fato é que não me toquei que rotor não é causado só pelo vento que passa por cima do morro. O que passa pelo lado também complica. E foi esse que me pegou.

Se eu tivesse ouvido um dos conselhos que uma vez ouvi “em cima da Gávea, de preferência, deixe 845 m entre você e o planeta Terra.

Não cole no relevo sem necessidade porque você poderá estar voando muito baixo se algo der errado”.

E deu. E eu consciente de estar baixo paca, talvez a uns 50 metros, enfiei a mão do outro lado. Foi quando bati.

Acho que o meu instrutor deve estar p da vida comigo até hoje.

Eu já tinha feito umas bobagens pegando rotor atrás da Agulinha no Sábado e ele soube.

Antes de ir embora nesse domingo fatídico, ainda falou comigo “juízo Seu Barão”.

O Clodomiro, que eu não conhecia, resolveu acrescentar:

“Pois é, esse negócio de entrada em auto-rotação depois de um colapso violento é fogo.

Eu estava experimentando variar a “ancoragem” pra ver como o parapente reagia.

Estava habituado a voar com a abertura de homologação AFNOR (não lembro mais quanto era) mas de tanto ouvir falar e ver nos vídeos os pilotos casca-grossa com o tirante totalmente aberto, resolvi tirar a prova.

E realmente constatei que se faz curva de corpo com muita rapidez, embora até a gente se acostumar parace que se está sentado em cima de um arame que corre entre as bochechas.

Mas depois de algum tempo, a gente se acostuma e fica bem legal. Cheguei a fazer negativa, eu tinha acabado de fazer um SIV, e não se twista de jeito nenhum.



Eu só não havia ainda chegado a uma conclusão sobre o comportamento em assimétrica.

Eu ainda estava pesquisando e o que pude apurar é que o parapente entrava em giro muito mais rápido em grandes colapsos. Mas também reabria rápido paca logo que se conseguia controlar o giro.

Faltava concluir o que era vantagem em termos de altura perdida: se usar a abertura padrão de homologação, manter a direção e bombear ou deixá-la bem aberta e aceitar o quase inevitável o giro antes de conseguir o controle (o grande condicionamento a adquirir nesse caso é a reação imediata transferindo o peso para o lado bom e complementando com o freio para que no máximo, se tenha um giro controlado).

Eu ia continuar testando no próximo vôo. O problema foi que vim para o pouso com o tirante todo aberto e tomei uma vaca colado no relevo. Não deu tempo de nada!”

Lá do fundo veio uma voz conhecida “porra esse negócio de pano-de-chão é muito enrolado. Eu até que tentei mas não houve jeito de aprender aquela seqüência de decolagem.

Acho que depois de certa idade cachorro velho não aprende mais truque”.

Bastou o Fernando falar isso e a Gauchinha passou correndo pelo meio do povo.

Foi quando o Pepe virou-se para o nosso piloto da nudista e perguntou:

– Você ? Conta tudo. Desde que você começou.

“Bem eu comecei olhando muito, vendo os pilotos montarem suas asas, ajudando e acabei aprendendo tudo direitinho.

Resolvi então que ia ser voador também. Voei de asa bem direitinho.

Todo mundo dizia que eu tinha um dom natural pro vôo e eu só não conseguia explicar porque me dava um trauma enorme quando eu ficava muito alto. À baixa altura eu me sentia como um passarinho.

Acho que até mais porque eu arrepiava e passarinho voa muito certinho.

Mas bastava subir um pouco mais e lá vinha aquela sensação de insegurança – uma droga porque atrapalhava na hora da competição.



Quando eu já estava bem fera de asa, resolvi voar de parapente também. Pra variar aprendi logo e comecei a arrepiar de pano-de-chão também.

Tirei de letra aqueles negócios de full estol, negativa e outros trecos mais.

Tudo sozinho sem fazer curso nenhum. E fazia bem porque o pessoal que entendia me elogiava paca.

É claro que levei uns tombos bem feios e quebrei uns ossos – o Doc Dib até que me socorreu uma vez lá em Andradas. Mas nada que não ficasse bom logo – acho que meu corpo tava fechado pra coisas mais sérias.

Por isso, nunca me deixei influenciar por esses tombos. Assim que podia eu voltava e continuava cada vez melhor nas minhas manobras.

Quando eu conseguia vencer o trauma da altura, conseguia até ganhar umas competições.

Fiquei muito bom em manobras radicais de asa também e botava pra quebrar na “vitrine” em cima da praia antes do pouso.

O pessoal até que dizia que eu estava forçando demais a estrutura mas eu nunca achei que estivesse.

Só sei que eu estava lá com a moça nudista quando alguma coisa quebrou e o trapézio fechou. É a última coisa que lembro”.

Já estava chegando a hora do coquetel de boas-vindas pro pessoal novo e o Pepê encerrou o papo lembrando que eles tinham de estudar um jeito de transmitir pro pessoal do “andar térreo” as experiências que eles tinham vivido.



Êle mesmo achava que do acidente no Japão havia que se tirar a lição de que a disputa de um campeonato não pode deixar em segundo plano a segurança.

A coletiva e, em último caso, a individual. Nenhum piloto pode esquecer disso – a decisão final de decolar ou não é dele. Não importa o que esteja em jogo. Até mesmo um campeonato mundial.

A última vez que tive notícias, parece que eles haviam resolvido editar uma revista periódica – Céu dos Voadores – para tratar só desse assunto. Acidentes e as lições decorrentes.

Tomara que desperte interesse.

Paulo J. Pinto

Rio de Janeiro, Brasil

[email protected]

[email protected]

http://www.gaveasky.com.br

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